Quimeras...

A voz profunda do íntimo da alma

Você aguenta ouvir a verdade?

IV - Renovação.

Alguns segundos depois, ouço aquela voz novamente.

-Agora a cabine de vocês irá se inclinar totalmente, ficando deitada. Vocês sentirão um leve tremor, mas não se preocupem. Esse, enfim, é o momento em que vocês terão a nova vida.

Sem medo - e sem escapatória -, aceitei as palavras com muito amor e calma. Senti aquela cabine se deitar e continuei seguindo normalmente, mesmo após o leve tranco. Percebi que nada mudara, praticamente. A única diferença era um leve sentimento de alívio que me dominou a partir daquele momento.

Continuei seguindo, cada vez mais confortável, pelo grande trilho. Agora numa rua plana, comprida, sem casas. Apenas o solo... a rua... e aquele lindo céu.


V - A chegada.


Sinto que minha cabine para de mover-se. Rapidamente ela torna a ficar em pé, reta, e a porta se abre. Ao sair, percebo que há agora uma casa, simples, branca, com três degrauzinhos antes de uma convidativa porta aberta. Vou seguindo até lá, normalmente.

Entrando na sala, há várias cadeiras em uma fileira. São simples, de madeira, com uma mesa à frente de cada uma. Nada absurdamente confortável, apenas normal. Ao sentar-me, percebo que outros também fazem o mesmo, mas não chego a olhar diretamente a ninguém, portanto não sei exatamente quem está lá. Não me sinto um estranho no ninho, de forma alguma. Mas apenas sento-me.

Quando todos estão sentados, aparece uma mulher. Clara, cabelos pretos e olhos castanhos, meia altura. Ela vem, em silêncio, com várias caixas, cheias de pecinhas. É um quebra-cabeças a ser montado. No final, todos eles seriam juntados, a fim de se obter uma bela imagem.

-Certo, agora comecem a montar seus quebra-cabeças, e quaisquer dúvidas, levantem a mão.

Notei logo no início que era dela aquela voz tão doce e suave que vinha me acompanhando até aquele instante. Uma voz tão confortante, que deixou todos absolutamente tranquilos. Algum momento depois, após montar algumas peças, surge uma dúvida.

-Sim, estou a caminho. (...) Por favor - disse ela -, deixe-me ajudá-lo...
-Isso aqui está errado, veja... essa peça é a correta, com certeza! Mas não encaixa...
- Ah, você deve ter deixado passar algum detalhe. Vejamos...
- Não, estou correto. Não há detalhe! Estou formando a imagem certa, mas não dá pra encaixar!
-Ah, sim, veja...

Então aquela mulher, com um largo sorriso, me mostra o erro. De fato, eu tinha deixado um detalhe passar. E agora estava tão envergonhado! A imagem que eu tentava montar, mesmo que eu conseguisse, não era a correta. Mas, em mais uma atitude de compaixão, essa mulher me dá um abraço enquanto estou lá sentado em minha cadeira, e sorri mais uma vez para mim. De repente, minha vergonha se vai, e eu me sinto bem, novamente... pronto, e, agora, sem querer montar as peças conforme minha vontade.

VI - À porta


Após um certo tempo (não muito), meu quebra-cabeças está pronto. O que eu montei não fazia tanto sentido para mim, mas algmas pequenas coisas eu entendia. O grande resultado apareceria quando tudo se juntasse formando uma imagem só. Então aquela mulher sorri para mim mais uma vez, e aponta para uma porta no fim da sala. Todas as cadeiras estavam em uma única fileira. Eram poucas, creio que no máximo 10. Fui andando, em linha reta, até a porta. Mais dois degraus, e pronto. Coloco a mão na maçaneta. Empurro. A porta começa a abrir, e...


VII - Um início



Essa porta, meu caro, é o fim. É o ponto final de tudo que nós passamos ou ainda vamos passar. Afinal, nossa vida, em essência, é um passo. Assim como encontrar nosso caminho, se despedir dos entes queridos, aceitar a morte, fazer nossa parte do quebra-cabeças. Não importa se somos hoje alguém que está em casa, tranquilo, ou na rua, em meio ao caos. Uma hora todos nós vamos dizer: "Tudo bem, chegou a hora."

E quando fizermos isso, será melhor. Deixar as pessoas queridas vai ser muito difícil. Ser deixado, então... nem se compara. Mas será o momento em que todas as nossas dores irão embora, e todo o peso será deixado para trás, trazendo um grande conforto. A gente finalmente vai ver quem é o dono dessa essa voz tranquila, serena, e iremos abrir uma porta, para nunca mais sentir dor ou tristeza. E essa não é a melhor coisa que nos pode acontecer? O fim é um novo início. É uma história bela e perfeita que está prestes a começar.


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