¬ Algumas verdades são imutáveis. Já outras, não podem ser.
Hoje eu vi uma coisa na televisão que realmente me deixou de cabelo em pé. Não sei como um jornalista assim tão famoso de uma emissora tão incrivelmente consagrada no país pôde dizer uma coisa dessas! Imagina só: após uma matéria (muito boa, por sinal) sobre o trabalho infantil no Brasil, o âncora do jornal faz um comentário completamente infeliz (quase a nível de Boris Casoy :P) dizendo que "devemos lutar para esses pais terem mais consciência e não cometerem o absurdo de colocar seus filhos para trabalhar desde tão cedo". Viu o absurdo nessa frase?
Olha, uma coisa é um adolescente de ensino médio dizer isso, mas um profissional responsável pela disseminação da notícia e formação da opinião popular? Poxa, precisamos de melhores jornalistas, então... porque se os "responsáveis" que a gente vê na TV têm opiniões tão pobres, fica difícil cobrar alguma coisa da sociedade. Sob que ponto de vista esse dito jornalista crê que o trabalho infantil existe porque os pais são tão irresponsáveis? Que pensamento minúsculo e infundado é esse?
Caso você tenha visto essa reportagem também, tenha certeza de uma coisa: o trabalho infantil vai muito, mas muito além da irresponsabilidade dos pais. Isso porque tratando desse assunto, a gente precisa se colocar na situação de uma pessoa nessas condições. Não adianta jovesn e adultos da classe média-alta apontarem o dedo para um homem do interior sem condições fnanceiras de manter a casa e dizer que ele está errado em seus julgamentos. Cada caso tem sua particularidade, nunca se esqueça.
Assim, fica mais "fácil" de entender a razão pela qual há hoje em dia tantas crianças trabalhando. As condições trabalho no campo (onde o trabalho infantil tem maior incidência) são simplesmente deploráveis para um empregado comum. Portanto, para se manter sua família, muitas vezes é necessário mais de um salário ou dois. E se você tem um filho que precisa trabalhar ou vai morrer de fome, a escolha parece não ser tão irresponsável assim. Nós, com condições de vida tão boas, não podemos usar de nossas experiências para julgar as escolhas de pesosas que apenas lutam pra sobreviver. E aí está uma notícia que nosso querido jornalista nunca viu: o mundo muitas vezes não é o mesmo pra todos.
O Brasil hoje tem hoje mais de 5 milhões de crianças e adolescentes já trabalhando sob inúmeras condições, mesmo com a lei determinando que trabalho só deve ser iniciado aos 16 anos, 14 caso esteja sob condição de aprendiz (ECA - Artigo 60, sobre Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho). Aliás, antes era pior. Em 1992 essa estatística incluía 8 milhões de crianças. As coisas estão mudando mais rapidamente do que se poderia imaginar, até. Houve muitas convenções internacionais sobre o assunto e o combate ao trabalho infantil realmente se tornou uma das prioridades nacionais. Ótimo.
Precisamos entender, portanto, que o trabalho infantil no Brasil e no mundo não é apenas uma questão de abuso dos empregadores, mas sim abuso de todo um sistema que envolve população economicamente ativa, distribuição de renda, oportunidade de trabalho, condição de estudo, prefeituras, governos, Nação. É completamente infeliz ignorar tudo isso e dizer que a culpa é dos pais que se aproveitam dos filhos. De fato a realidade muda conforme as condições de vida da pessoa, então espero que nós não cometamos o erro juvenil daquele "jornalista". Que a realidade, o real jornalismo, sempre nos acompanhe. Não para julgar ou criar preconceitos, mas para trazer igualdade e possibilidades aos menos favorecidos.